quarta-feira, 8 de julho de 2009

“Michael Jackson: astro pop, racismo, dança e infância confiscada”

“Sem dúvida, um dos maiores astros que pisou os palcos do pop mundial foi Michael Jackson, quiçá, o maior. Fora todos os elogios que os álbuns merecem, Thriller é um marco, seja pelo clip de milhões de dólares, os 14 minutos foram geniais. Pois bem, quero chamar atenção para outros aspectos da vida de Michael Jackson que estão fora do glamour, do sucesso e escândalos públicos. Quero tratar do racismo e as implicações na vida do astro estadunidense.
Não cabem aqui considerações filosóficas, sociológicas e acadêmicas acerca do racismo. Basta identificar racismo como um sistema simbólico que diferencia as pessoas pela raça, dotando algumas com mais status do que outras, seja na dimensão estética, ética, espiritual e/ou intelectual. Com efeito, o racismo define que uma raça é superior à outra e as práticas sociais demarcam essa escala de valores. De modo ligeiro vale ressaltar que raça não é um conceito biológico; mas, raça existe e tem cunho social e histórico.
Michael Jackson teve a infância confiscada, trocou as brincadeiras e uma vida simples pela carreira no grupo Jackson Five: fama e dinheiro. Toda criança que tem sua infância roubada, trabalhando 12 horas por dia em minas de carvão, na prostituição infantil, no tráfico de psicotrópicos ilegais, lavando janelas de carros nos sinais, ou ainda, como astros e estrelas do show business parecem ter sérias implicações emocionais. Não vou incorrer numa análise psicológica, nem em conjecturas psicossociais de cunho acadêmico. O que não cabe neste pequeno artigo. Mas, sendo ligeiro sem querer ser superficial; podemos afirmar que a confiança que uma criança constrói no mundo depende de suas relações familiares e de não estar exposta a riscos e vulnerabilidade emocional ou social. Portanto, podemos estabelecer uma proporcionalidade entre o grau de vulnerabilidade que uma criança vive com a dificuldade de estabelecer laços afetivos na vida adulta.
Michael Jackson foi uma vítima do racismo. Ele manipulou seu corpo contra ele mesmo, buscando acabar com as marcas negras, precisou se mutilar e colocar em risco a sua própria vida. Uma objeção ao argumento acima exposto poderia dizer, todos se manipulam, isto é, viver é modificar a si mesmo, se governar, ser influenciado e influenciar. O problema é quando nos modificamos colocando em risco nossa própria vida. O racismo tem esse poder. Não se trata de definir se somos vítimas ou livres das forças acachapantes que nos atravessam pelos meios de comunicação, escola, universidade, forças produtivas, família, Estado, etc.
O que está em jogo não é definir se Michael Jackson era mais vítima ou mais autônomo. Em certa medida, todos somos produtores e produtos, simultaneamente, do meio e de nós mesmos. Michael Jackson foi mais um autor e uma marionete da política de racismo, o que distingue as pessoas são os instrumentos que elas dispõe que associados com as intenções pode fazer a diferença entre o grau de autonomia e o grau de assujeitamento e submissão. Michael Jackson era “rico” – parece que era perdulário e devia meio mundo, cerca de 500 bilhões de dólares – e famoso, dois atributos que atrapalham a independência de uma pessoa. Tornam as pessoas frágeis, pouco críticas e fáceis de manipular porque dependem mais de coisas externas do que de si mesmas. Comentários á parte, acho que ninguém deveria ganhar muito dinheiro. Mas, de volta ao thriller, o que mais aterroriza é que Michael Jackson operou o nariz em busca de uma configuração caucasiana. Casou com mulheres brancas, o que já denota os padrões estéticos preferidos. Segundo a mãe dos filhos, as gestações são resultados de inseminação artificial de doadores brancos, o que pode ser percebido pelo fenótipo norueguês das crianças. O racismo, o ódio de si, a rejeição de seu fenótipo chegou aos limites da luta contra si mesmo. O que se revelou nas escolhas afetivas, nas cirurgias, no clareamento da pele – seja ou não resultado de uma doença de pele, a opção por usar os recursos biotecnológicos que ele dispunha para enegrecer ou branquear é fruto do seu ego ideal, uma aparência branca. Óbvio que todo neurótico obsessivo se considera aquém do seu horizonte ideal. Para Michael, sua aparência nunca estava suficientemente branca. Por isso, as inúmeras cirurgias no nariz e nos lábios, o clareamento praticamente ininterrupto da pele. O alisamento do cabelo.
Enfim, alisar o cabelo, operar o nariz, se interessar e buscar parceiras brancas para gerar crianças brancas é um conjunto de ações racistas que associadas com dinheiro e fama são uma mistura explosiva. Porque no cotidiano temos muitos “imitadores” de Michael Jackson. A diferença é o pouco dinheiro, o escasso acesso às tecnologias de última geração para branquear. Muitos homens gostariam de ser Michael Jackson, gostariam de embraquecer, tanto que buscam incansavelmente mulheres brancas, a cada 10 parceiras, nove são brancas e uma é não negra, pode ser asiática ou indígena. Mas, não é negra. O mesmo se aplica às mulheres, seja na ação de alisar o cabelo ou dirigir seu desejo para galãs brancos. Michael Jackson é um sintoma, o auge de uma manipulação de si contra si baseada no entendimento político e hegemônico de que negros não teem o mesmo status intelectual, moral e estético dos brancos. Michael sofreu violência simbólica na família? Essas suposições já correram nos meios de comunicação. Não posso afirmar nada sobre maus tratos físicos. Mas, violência simbólica é outra coisa, ele sofreu e todos nós sofremos. Seja pela ausência de bonecas negras no mercado em quantidade proporcional à população negra. Ou por causa do monopólio de galãs brancos que enfeitam os quartos das moças e de revistas pornográficas que valorizam quase exclusivamente mulheres brancas. Michael Jackson foi bombardeado por todos os lados pelas forças que determinam ostensivamente, sutilmente, de modo direto ou indireto que devemos valorizar, buscar e nos enquadrar na branquitude. Não espanta que o inventor do moonwalker tenha ficado refém da branquitude. Os mais próximos dizem, ele era triste e solitário. Ele tomava uma bateria de remédios para dor. A dor de não se enxergar, de não gostar de ver seu nariz, seu cabelo e sua cor por considerá-los inferiores. Espero que possamos aprender com esse acontecimento. Valorizar a negritude é importante para construir a si mesmo sem negações, sem mutilações e, sobretudo, numa ética étnica que devolve à negritude tudo que o racismo lhe roubou. Michael Jackson não conseguiu criar valores fortes, capazes de uma nova dança em favor de si mesmo. Porque isso não poderia ser feito sem que ele olhasse no espelho e enxergasse um homem negro sem receios, sem medos e identifica-se a beleza de seu cabelo crespo, de suas narinas largas, de seus lábios grossos e sua pele negra.”

*Renato Nogueira Jr. é Professor de Filosofia do Departamento de
Educação e Sociedade da UFRRJ