quinta-feira, 9 de julho de 2009

Uma História de Resistência

por Jaime Sodré

Interior do barracão do Terreiro Bogum.

INTRODUÇÃO

O Engenho Velho da Federação possui, aproximadamente, entre 80 mil a 90 mil habitantes, caracterizados na sua grande maioria como afrodescendentes. Este bairro é considerado como “Quilombo Urbano”, segundo o Decreto nº 4.887, de 20 de novembro de 2003, assinado pelo presidente Lula e, para tanto, foi levado em conta aspectos como a resistência cultural negra instalada em um determinado espaço.

O fato de o Engenho Velho ter em seu território, vários terreiros de candomblé, contribuiu para isto. Comenta-se que este bairro foi resultado de escravos fugitivos, vindos de um engenho na sua proximidade. Sem dúvidas, o Terreiro do Bogum, entre outros, em função da sua história de resistência, deve ter contribuído para a caracterização deste bairro como um quilombo.

Capítulo I – O Jeje

Informa-nos Nicolau Parés do papel desempenhado pelo Jeje no Candomblé. Relata Félix Ayoh’omidire, em ÀKỌGBÀDÙN – ABC da língua, cultura e civilização iorubanas [1], que “a tão procurada etimologia do etinônimo ‘jeje’… só sobreviveu aqui no Brasil, onde se usa como uma referência para a tradição de Candomblé ewe-fon”.

A palavra ‘jeje’ não vem de “àjèjì”, termo iorubano que significa ‘estrangeiro’. O termo ‘jeje’ vem, seguramente, deste oríkì orílè de ìran àjèjè que é uma das linhagens originais que ocuparam a área central da atual República do Benin (antigo Daomé), fruto das primeiras migrações de núcleos iorubanos, que se instalaram no espaço que se estende até Tado, na atual República de Togo.

Segundo ele, os fons foram os últimos a chegar ao espaço geográfico na área que constitui a região central da República de Benin. Além de incorporem a sua língua e cultura, agregaram muitos elementos significativos desenvolvidos pelos seus vizinhos.

Ainda explica Félix, que “um exemplo disso é a presença de muitos voduns que são os paralelos de alguns orixás iorubás, voduns esses cujos nomes ainda refletem a sua origem iorubá. Por exemplo, o vodum Legba é o mesmo Exù Ẹlégbara; enquanto o Ṣàngó dos iorubanos virou Hevioso”.

Quanto ao sistema de adivinhação, embora seja chamado de Ifá entre os iorubanos, “é conhecido simplesmente como Fá entre os ewe-fon”. Em relação ao azeite de dendê, elemento fundamental da culinária religiosa, em especial na Bahia, foram os Aresas os introdutores da técnica de extração do dendê naquela região.

Quanto aos jeje, afirma o autor, são conhecidos em Cuba como arará, termo cuja origem ainda “não foi desvendada pelos historiadores até o momento atual”.

Concluindo, afirma Félix: “a minha tese a respeito da origem dos jeje é que esse povo estava com maior freqüência na sua identidade de ajeje aqui no Brasil, como isso acontece ainda hoje, em meios ioruba-africano… muitas pessoas só preferem citar seu oríle em vez de dar o seu nome próprio ou nome de família”.

O “Jeje”, é assim que o povo se refere, com carinho e reconhecimento, ao Zoogodô Bogum Malê Rundó, instalado no “fim de linha” do Engenho Velho da Federação. Parés testemunha o dinamismo de seus sacerdotes e sacerdotisas, no enriquecimento do patrimônio cultural religioso negro. Atores da resistência deste “modo particular de rezar”, adoçavam este “bom combate” com atos de dignidade.

A comunidade do Bogum expõe a sua particularidade dizendo-se único, embora haja a consciência de íntimas ligações com o jeje-marrim de Cachoeira, a Roça de Cima.

Esta Roça seria a continuidade do Candomblé do Bitedô ou Oba Têdô, localizada na Recuada. Ligado a este templo estaria o sacerdote Kixareme ou Tixarene e a venerável sacerdotisa Ludovina Pessoa da Irmandade da Boa Morte e elo de ligação entre Cachoeira e Bogum.

D. Ludovina seria a iniciadora do clã feminino do Bogum, através da realização dos processos iniciáticos de Maria Emiliana da Piedade, mãe carnal de Maria Luisa Piedade, a venerável Maria Ogorensi ou Angorensi, fundadora do Seja Hundé em Cachoeira, Terreiro contemporâneo da Roça de Cima onde, segundo comenta-se, reduto de concentração jeje, após a extinção da Roça de Cima.

Maria Romana Moreira, iniciada por Ogorensi, conhecida como Romaninha de Possu Betá Poji, desempenhou importante papel tanto em Cachoeira quanto no Bogum, onde assumira o papel de Deré, o segundo cargo jeje mais elevado, tendo apenas como superior o cargo de Doné, no Bogum, ou Gaiaku, em Cachoeira.

A ocupação deste posto se efetivou antes da ascensão de Maria Valentina dos Anjos, a sempre lembrada Doné Runhó, na direção máxima do Bogum.

Este vínculo entre o Bogum e os terreiros jeje-marim de Cachoeira recebe, por vezes, contestações, dividindo opiniões. Alguns mencionam o fato de Ludovina Pessoa ter sido a primeira mãe-de-santo do jeje-marrim, fato que alguns do Bogum contestam, alegando que esta era apenas uma das antigas amigas da Casa.

Lidamos com a falta de registros seguros, o que nos impede de uma posição consolidada, mas podemos optar que, provavelmente, Ludovina seria fundadora da Roça de Cima, em 1860, e teria ligações com o Bogum, no mínimo, como uma figura relevante, ou seja, muito mais que “uma amiga da casa”. Alguns mantêm a opinião que ela fora “uma antiga Mãe de santo jeje”.

Ao que parece, após o tempo de Ludovina, houvera uma marcante interrupção nas atividades do Terreiro, surgindo na memória coletiva o prenome Valentina e a identificação do seu vodum Adaen, como autoridade máxima, dissera certa feita Doné Runhó a pesquisadores do Ceao.

Questões para incentivar a pesquisa em sala de aula:

1. A que se refere o Decreto 4.887, de 20 de novembro de 2003? Esta lei poderia ser usada para uma definição de quilombos?

2. Por que um terreiro de Candomblé pode ser considerado um elemento que se caracteriza como “resistência cultural”?

3. Que fatores contribuem para uma visão preconceituosa sobre as religiões de matrizes africanas?

4. Que estratégias usaram os sacerdotes do Candomblé para a sobrevivência da sua fé?

5. Como se organizaram os terreiros, levando em conta a sua procedência africana?

6. Como surgiu o Terreiro do Bogum?

7. Como surgiram outros terreiros?

8. Como é considerado por lei o bairro do Engenho Velho da Federação, e por quê?

9. O que significa a palavra etinônimo?

10. O que seria um Candomblé ewe-fon?

11. O que você sabe sobre a República do Benin e a República de Togo?



Textos-base:


1. Nicolau Parés- A Formação do candomblé- História e Ritual da Nação Jeje na Bahia. Editora Unicamp. Félix Ayoh´omidire. ÀKỌGBÀDÙN – ABC da língua, cultura e civilização iorubanas. Salvador: EDUFBA : CEAO, 2004, p. 85.

Fonte: Mundo Afro