quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Impactos da Inserção da Atividade Turística no Candomblé de Salvador

Nivia Luzia Silva de Santana*

O Turismo é uma atividade dinâmica que engloba múltiplos segmentos, fundamentados a partir da relação direta e indireta entre pessoas, prestação de serviço e troca de culturas distintas. Os produtos culturais como as festividades, expressões artísticas, gastronomia, tradições orais, obras arquitetônicas e mesmo a religiosidade, são na sua maioria elementos motivadores ou atrativos para o desencadeamento desta atividade.
Ao longo do processo de desenvolvimento histórico, o Turismo teve um impacto sobre tudo e todos que estiveram em contato com ele. Num plano ideal estes impactos deveriam ter sido positivos, no tocante aos benefícios obtidos tanto pela área de destino quanto pelos seus residentes.
Na cidade de Salvador, a atividade turística é extremamente motivada pelo forte processo cultural adquirido em meio a todo legado herdado dos povos africanos escravizados e que aqui preservaram e reconstruíram seus modos de vida de forma bastante singular. Tornando-se, por isso mesmo, na contemporaneidade, um importante destino turístico – e como tal, sujeito aos impactos que essa atividade pode exercer. Sabe-se que “indústria’’ organizada para gerar consumo pode ser descomedida, “coisificando” pessoas, transformando bens intangíveis em “produtos”, caricaturando modos de vida e, deste modo, levando prejuízo tanto para o turista quanto para o destino estabelecido, contrariando, portanto, o que se propõe o turismo no plano ideal. Segundo Luiz Renato Ignarra, autor do livro Fundamentos do Turismo, “Quando acontecimentos especiais são preparados e promovidos como atrações turísticas, há sempre o risco de que eles possam se tornar meros produtos comercializados. Se isso acontecer, a sua autenticidade será eventualmente, destruída, e é a autenticidade o aspecto principal que busca o visitante.”
Turismo no Terreiro – A religiosidade de matriz africana no Brasil provoca em seus adeptos o sentimento de pertença, de compartilhamento, cumplicidade ampla que confere identidade, mesmo considerando a situação da “sociedade moderna de massa”, em que o individuo tem lugar preeminente. Tal sentimento está diretamente ligado à dinâmica da sociedade baiana composta majoritariamente por descendentes de africanos, e, digamos de uma vez, à sua identidade. Sendo assim, as questões pertinentes à comercialização da religião de matriz africana, o candomblé, não é algo que se possa tratar de maneira isolada, pois demanda uma série de fatores vinculados a uma longa história, e que necessita de uma cautela especial.
O Terreiro de Candomblé não se isola da comunidade não religiosa, é um local de atuação, integração e desenvolvimento. Não é algo estático, ao contrário, engloba a função sócio-religiosa que estabelece laços com outros indivíduos através de ações de natureza pública comunitária. Não podemos simplesmente subestimar a força da indústria turística e negligenciar os possíveis impactos que ela pode causar nos Terreiros de Candomblé.
Possivelmente, a atividade turística nos Terreiros de Candomblé consiga provocar aquilo que mesmo as várias investidas históricas contra eles - fosse pela ação da Igreja, fosse através do Estado - não tiveram êxito: sua demonização, despolitização e conseqüente mitigação, através da descaracterização dos festejos litúrgicos gerados pela banalização e comercialização da cultura, comprometendo assim a própria identidade e modo de vida da comunidade de terreiro. Percebeu-se na religiosidade a oportunidade de disseminar a cultura do consumo, e suprir carências culturais na cidade de maneira rentável a partir da necessidade do visitante de interagir com outros modos de vida. Assim, ainda hoje o legado africano permanece em pleno estado de confrontação com o sistema dominante e racista que historicamente buscou degradar sua estrutura.
Analisar essa relação e as conseqüências daí decorrentes para a dinâmica dos cultos afro-brasileiros constitui uma questão de primeira ordem, tanto para o turismo, no sentido de reflexão sobre os limites a serem ser estabelecidos, quanto para a sociedade brasileira, que com isso põe em risco sua própria identidade. Curiosamente o turista que visita uma igreja não interfere nos processos de ordem litúrgica, por mais que aja visitação, ele se beneficia dos aspectos externos da religião. Todavia, este processo de comercialização teve inicio nos âmbitos da Igreja Católica (com a venda de indulgências etc.), mas a banalização veio ocorrer com a religião cuja matriz foi a África. Seria isso uma coincidência?

*Bacharel em Turismo – Fundação Visconde de Cairu ( Salvador/ Bahia) em 2007.;
Coordenadora Pedagógica do Instituto Oyá, Salvador /Bahia;
Desenvolve pesquisa sobre os impactos da inserção da atividade turística nos terreiros de Candomblé na cidade de Salvador.