Nos últimos anos, a falta de segurança pública é um problema de extrema gravidade e parece insolúvel. A questão passou a ser um dos principais desafios a ser enfrentado pelo Estado brasileiro. A segurança pública − ou a ineficiência desta – deverá ser um dos temas mais debatidos pelos candidatos à presidência nas próximas eleições.
A falta de segurança é um limitador de direitos e da cidadania. Sem ela, e com a sua consequência mais visível, a violência, alguns direitos dos cidadãos como lazer, liberdade de ir e vir, trabalho e educação ficam bastante restritos. Em algumas áreas, principalmente nos grandes centros urbanos, tais direitos chegam a ser cerceados. Há muito tempo, os brasileiros estão expostos à triste realidade de problemas relacionados ao aumento da sensação de insegurança e das altas taxas de criminalidade.
A população está sendo obrigada a conviver com a degradação do espaço público, as dificuldades ligadas à reforma das instituições da administração da justiça criminal, à violência policial, à ineficiência preventiva de nossas instituições, à superpopulação nos presídios, às rebeliões, fugas e degradação das condições de internação de jovens em conflito com a lei, para citar apenas os conflitos mais urgentes.
De acordo com dados do Observatório da Cidadania, em 2009 o Brasil foi o sexto país do mundo com o maior número de homicídios (25,2 por 100 mil habitantes). Isto corresponde a aproximadamente 50.000 assassinatos por ano. Nos Estados Unidos, o índice é de 6 homicídios por 100 mil habitantes. França e Portugal apresentam valores de 0,7 e 1,6, respectivamente. No México, que possui características semelhantes ao Brasil, a taxa de homicídios é de 9,3 por mil habitantes.
Cenário favorável
Outro ponto importante para se compreender o fenômeno da violência letal no Brasil é sua distribuição geosocial. Esta violência possui uma dimensão racial, territorial, etária e de gênero. Esta característica mostra que as vítimas da violência letal são, em maior número, homens, jovens, negros. Outro ponto a ser notado é que estes vivem em localidades onde há baixo exercício da cidadania e a presença do poder público é quase nula.
“O Brasil foi construído sob o signo da violência, da brutalidade e da tortura. Nós, negros e negras, sempre fomos relacionados à ideia do mal, do iníquo, do que deve ser controlado para preservar o bem, o belo e o bom que é ser branco”, reflete Hamilton Borges Walê, articulador da Campanha Reaja ou Será Morto, Reaja ou Será Morta e também militante da Associação de Familiares e Amigos de Presos e Presas do Estado da Bahia. Para Walê, a violência a qual todos estão submetidos está interligada a este dualismo tacanho que, segundo ele, é efetivo para preservar a estrutura do edifício de poder desse Estado.
Além de atingir majoritariamente a juventude negra brasileira, essa violência também se expressa pela agressão contra as mulheres. E ainda pela molestação sexual contra crianças e adolescentes; pelo trabalho escravo; pela repressão e intimidação de lideranças populares; pela criminalização dos movimentos sociais e pela violência institucionalizada (sob a forma de execuções sumárias, tortura e extermínios) promovida por agentes públicos e privados.
Para Sarah de Freitas Reis, assessora técnica do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea), ao se tratar de violência é necessário lembrar que esta tem um papel fundamental na estruturação de desigualdades de gênero, raça e classe no Brasil desde a colonização. Para ela, a coerção física, patrimonial e psicológica é um instrumento de dominação dos grupos que derivam dos modelos brancos, heterossexuais, proprietários e masculinos. “Até hoje, a violência que se faz presente na sociedade brasileira atinge, de forma ainda mais cruel e complexa, as mulheres e dentre essa as negras, pobres e lésbicas. Tudo isto se soma a outras formas de violência como a violência institucional, que pode se manifestar na falta de serviços de atendimento ou na falta de preparo dos profissionais dos serviços públicos no atendimento às mulheres vitimadas”, diz.
Sarah enfatiza ainda que, no tocante a questão feminina, constata-se que a presença da violência e a falta de segurança no cotidiano da mulher é alarmante. “No Brasil, dados indicam que a cada 15 segundos uma mulher é espancada e a cada 12 uma é estuprada”, observa.
Solução é questão política
De acordo com a Assessora Política do Inesc, Eliana Magalhães Graça, o cenário de falta de segurança pública e violência que se apresenta no Brasil é “um quadro de tragédia. E o Estado brasileiro está sem condições de enfrentar para valer essa situação”.
Para ela, a falta de condições advém da falta de vontade política e das escolhas equivocadas que o governo faz. “Uma delas é a estratégia para enfrentar o crime. E tem um nome bem específico para isto. Chama-se matança das populações que vivem em áreas de exclusão. A sociedade brasileira tem uma trajetória de violência contra as populações menos favorecidas, negras e pobres. E esta lógica predomina até hoje”. A assessora observa também que, apesar das tentativas de encarar os problemas de segurança como direito de cidadania e a uma vida sem violência, os brasileiros ainda estão muito longe de consagrar este direito.
O próximo presidente e seu governo devem enfrentar esta situação, para de fato alterar este cenário. Caso contrário, a questão apenas se avolumará e a sociedade ficará cada vez mais insegura. Alguns componentes desta violência como o racismo e o sexismo institucionais não podem ser desprezados. “É importante não esquecer que o aparelho repressivo do Estado está impregnado desses preconceitos e discriminações”, diz Eliana.
O tema tem várias facetas e as soluções não dependem de fatores isolados e sim de um conjunto de inovações. Aliar a questão da segurança pública à questão dos direitos é outro gargalo. Implementar mudanças estruturais no aparato de segurança é outra medida urgente. Valorizar o profissional de segurança é essencial. No entanto, as corporações precisam ser modificadas em sua lógica estrutural. E, sem querer nem de longe esgotar as necessidades de atuação do Estado, não se pode esquecer de que há mudanças necessárias e urgentes na cultura nacional, para desfazer padrões preconceituosos e discriminatórios. E nisto, a sociedade tem sua parcela de responsabilidade.
Cabe ao próximo governo desatar todos estes nós. É imprescindível propor formas de enfrentamento a todos os tipos de violência e desenvolver políticas públicas que realmente fomentem a segurança pública que tanto o Brasil necessita.
Instituto de Estudos Socioeconômicos-INESC
A falta de segurança é um limitador de direitos e da cidadania. Sem ela, e com a sua consequência mais visível, a violência, alguns direitos dos cidadãos como lazer, liberdade de ir e vir, trabalho e educação ficam bastante restritos. Em algumas áreas, principalmente nos grandes centros urbanos, tais direitos chegam a ser cerceados. Há muito tempo, os brasileiros estão expostos à triste realidade de problemas relacionados ao aumento da sensação de insegurança e das altas taxas de criminalidade.
A população está sendo obrigada a conviver com a degradação do espaço público, as dificuldades ligadas à reforma das instituições da administração da justiça criminal, à violência policial, à ineficiência preventiva de nossas instituições, à superpopulação nos presídios, às rebeliões, fugas e degradação das condições de internação de jovens em conflito com a lei, para citar apenas os conflitos mais urgentes.
De acordo com dados do Observatório da Cidadania, em 2009 o Brasil foi o sexto país do mundo com o maior número de homicídios (25,2 por 100 mil habitantes). Isto corresponde a aproximadamente 50.000 assassinatos por ano. Nos Estados Unidos, o índice é de 6 homicídios por 100 mil habitantes. França e Portugal apresentam valores de 0,7 e 1,6, respectivamente. No México, que possui características semelhantes ao Brasil, a taxa de homicídios é de 9,3 por mil habitantes.
Cenário favorável
Outro ponto importante para se compreender o fenômeno da violência letal no Brasil é sua distribuição geosocial. Esta violência possui uma dimensão racial, territorial, etária e de gênero. Esta característica mostra que as vítimas da violência letal são, em maior número, homens, jovens, negros. Outro ponto a ser notado é que estes vivem em localidades onde há baixo exercício da cidadania e a presença do poder público é quase nula.
“O Brasil foi construído sob o signo da violência, da brutalidade e da tortura. Nós, negros e negras, sempre fomos relacionados à ideia do mal, do iníquo, do que deve ser controlado para preservar o bem, o belo e o bom que é ser branco”, reflete Hamilton Borges Walê, articulador da Campanha Reaja ou Será Morto, Reaja ou Será Morta e também militante da Associação de Familiares e Amigos de Presos e Presas do Estado da Bahia. Para Walê, a violência a qual todos estão submetidos está interligada a este dualismo tacanho que, segundo ele, é efetivo para preservar a estrutura do edifício de poder desse Estado.
Além de atingir majoritariamente a juventude negra brasileira, essa violência também se expressa pela agressão contra as mulheres. E ainda pela molestação sexual contra crianças e adolescentes; pelo trabalho escravo; pela repressão e intimidação de lideranças populares; pela criminalização dos movimentos sociais e pela violência institucionalizada (sob a forma de execuções sumárias, tortura e extermínios) promovida por agentes públicos e privados.
Para Sarah de Freitas Reis, assessora técnica do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea), ao se tratar de violência é necessário lembrar que esta tem um papel fundamental na estruturação de desigualdades de gênero, raça e classe no Brasil desde a colonização. Para ela, a coerção física, patrimonial e psicológica é um instrumento de dominação dos grupos que derivam dos modelos brancos, heterossexuais, proprietários e masculinos. “Até hoje, a violência que se faz presente na sociedade brasileira atinge, de forma ainda mais cruel e complexa, as mulheres e dentre essa as negras, pobres e lésbicas. Tudo isto se soma a outras formas de violência como a violência institucional, que pode se manifestar na falta de serviços de atendimento ou na falta de preparo dos profissionais dos serviços públicos no atendimento às mulheres vitimadas”, diz.
Sarah enfatiza ainda que, no tocante a questão feminina, constata-se que a presença da violência e a falta de segurança no cotidiano da mulher é alarmante. “No Brasil, dados indicam que a cada 15 segundos uma mulher é espancada e a cada 12 uma é estuprada”, observa.
Solução é questão política
De acordo com a Assessora Política do Inesc, Eliana Magalhães Graça, o cenário de falta de segurança pública e violência que se apresenta no Brasil é “um quadro de tragédia. E o Estado brasileiro está sem condições de enfrentar para valer essa situação”.
Para ela, a falta de condições advém da falta de vontade política e das escolhas equivocadas que o governo faz. “Uma delas é a estratégia para enfrentar o crime. E tem um nome bem específico para isto. Chama-se matança das populações que vivem em áreas de exclusão. A sociedade brasileira tem uma trajetória de violência contra as populações menos favorecidas, negras e pobres. E esta lógica predomina até hoje”. A assessora observa também que, apesar das tentativas de encarar os problemas de segurança como direito de cidadania e a uma vida sem violência, os brasileiros ainda estão muito longe de consagrar este direito.
O próximo presidente e seu governo devem enfrentar esta situação, para de fato alterar este cenário. Caso contrário, a questão apenas se avolumará e a sociedade ficará cada vez mais insegura. Alguns componentes desta violência como o racismo e o sexismo institucionais não podem ser desprezados. “É importante não esquecer que o aparelho repressivo do Estado está impregnado desses preconceitos e discriminações”, diz Eliana.
O tema tem várias facetas e as soluções não dependem de fatores isolados e sim de um conjunto de inovações. Aliar a questão da segurança pública à questão dos direitos é outro gargalo. Implementar mudanças estruturais no aparato de segurança é outra medida urgente. Valorizar o profissional de segurança é essencial. No entanto, as corporações precisam ser modificadas em sua lógica estrutural. E, sem querer nem de longe esgotar as necessidades de atuação do Estado, não se pode esquecer de que há mudanças necessárias e urgentes na cultura nacional, para desfazer padrões preconceituosos e discriminatórios. E nisto, a sociedade tem sua parcela de responsabilidade.
Cabe ao próximo governo desatar todos estes nós. É imprescindível propor formas de enfrentamento a todos os tipos de violência e desenvolver políticas públicas que realmente fomentem a segurança pública que tanto o Brasil necessita.
Instituto de Estudos Socioeconômicos-INESC