Foi promulgado esta semana, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Estatuto da Igualdade Racial. Muita expectativa foi criada em torno da proposta do senador Paulo Paim (PT-RS), mais avançada que o resultado final, fruto de negociação parlamentar.
Menor o passo, ainda assim ele é gigantesco: o Estatuto deve ser saudado como marco histórico para a maior efetivação da igualdade e da dignidade para nossa grande população negra e pobre.
O projeto original perdeu partes explicitadoras, como a previsão de cotas para negros em universidade e no mercado de trabalho, submetidas que estão ao crivo do Supremo Tribunal Federal.
Entretanto, a omissão na lei não pode ser interpretada como proibição de que as cotas sejam instituídas pelas universidades ou pelos atores do mercado de trabalho, seja pelo poder público ou pela iniciativa privada. Isso decorre dos próprios princípios enunciados no Estatuto, em seus artigos 38 e 39, inspirados em tratados internacionais e na Constituição.
Há quem entenda também que o texto da nova lei teria perdido substância ao abandonar o conceito de “raça” por “etnia”. Mas isso não é totalmente correto, porque “raça” continua presente em oito ocasiões do texto e no espírito da norma, de modo a não haver perda de essência.
De toda sorte, qualquer espécie de discriminação racial poderá ser enfrentada pela adoção de medidas, programas e políticas de “ações afirmativas”, instrumentos fundamentais finalmente trazidos para a legislação nacional pelo Estatuto.
Caberá à interpretação da sociedade e do Judiciário, bem como às normas de regulamentação a serem elaboradas, públicas e privadas, a promoção do atingimento da máxima efetividade da proteção.
Um exemplo do que pode ser feito como medida compensatória é a adoção de acordos coletivos que prevejam cotas para contratações. Um segundo exemplo pode ser construído pelo governo federal, por meio de decreto regulamentador: adiantar-se na implementação de ações afirmativas nas contratações para os órgãos públicos.
Os números demonstram o tamanho da desigualdade vivida no Brasil.
Segundo estudo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, de 2004, (1) a maioria dos ocupados nas seis regiões metropolitanas – Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre – é branca (58%) e a maior parte dos desocupados é negra ou parda (50,4%); (2) há mais negros e pardos entre os trabalhadores domésticos, por conta própria e sem carteira assinada; (3) brancos, ocupados ou não, têm maior escolaridade que negros ou pardos; (4) os grupamentos da construção e dos serviços domésticos ocupam mais negros ou pardos (em média, o dobro da ocupação dos brancos), enquanto os brancos têm percentuais relativamente maiores na indústria e no grupamento da saúde, educação e administração pública; (5) há um número maior de negros ou pardos subocupados e sub-remunerados; (6) o rendimento dos negros ou pardos é menor (em média, duas vezes menor que o rendimento dos ocupados brancos) e (7) mulheres desse grupo ganham menos ainda.
O fundamental é adotar iniciativas em todos os âmbitos, inclusive na esfera privada, para reverter a discriminação sofrida por negras e negros, vítimas de uma estrutura que alimenta a exclusão e as desigualdades sociais ao longo de séculos.
A igualdade é um preceito fundamental da nossa democracia. Ela vem sendo tratada por todas as Constituições brasileiras como um valor digno de previsão e proteção. O princípio da igualdade é continuamente reafirmado e perseguido desde a proclamação do Brasil enquanto Nação independente. E a Constituição Federal de 1988 veio para marcar o avanço definitivo, ao estabelecer metas e ações em prol da concretização da igualdade material, e não apenas formal.
Portanto, é tarefa do Estado brasileiro e da sociedade promoverem ações que agilizem a efetivação da igualdade real em todos os campos sociais. Tudo deve ser feito inspirado no espírito cidadão da Constituição, de promover a igualdade, valorizar o trabalho e reconhecer a dignidade do ser humano como pilares do almejado desenvolvimento econômico e social. Bem-vindo o Estatuto da Igualdade Racial.
Roberto de Figueiredo Caldas, advogado, Secretário-Geral da Comissão Nacional de Defesa da República e da Democracia da OAB Federal, Juiz ad hoc da Corte Interamericana de Direitos Humanos
Menor o passo, ainda assim ele é gigantesco: o Estatuto deve ser saudado como marco histórico para a maior efetivação da igualdade e da dignidade para nossa grande população negra e pobre.
O projeto original perdeu partes explicitadoras, como a previsão de cotas para negros em universidade e no mercado de trabalho, submetidas que estão ao crivo do Supremo Tribunal Federal.
Entretanto, a omissão na lei não pode ser interpretada como proibição de que as cotas sejam instituídas pelas universidades ou pelos atores do mercado de trabalho, seja pelo poder público ou pela iniciativa privada. Isso decorre dos próprios princípios enunciados no Estatuto, em seus artigos 38 e 39, inspirados em tratados internacionais e na Constituição.
Há quem entenda também que o texto da nova lei teria perdido substância ao abandonar o conceito de “raça” por “etnia”. Mas isso não é totalmente correto, porque “raça” continua presente em oito ocasiões do texto e no espírito da norma, de modo a não haver perda de essência.
De toda sorte, qualquer espécie de discriminação racial poderá ser enfrentada pela adoção de medidas, programas e políticas de “ações afirmativas”, instrumentos fundamentais finalmente trazidos para a legislação nacional pelo Estatuto.
Caberá à interpretação da sociedade e do Judiciário, bem como às normas de regulamentação a serem elaboradas, públicas e privadas, a promoção do atingimento da máxima efetividade da proteção.
Um exemplo do que pode ser feito como medida compensatória é a adoção de acordos coletivos que prevejam cotas para contratações. Um segundo exemplo pode ser construído pelo governo federal, por meio de decreto regulamentador: adiantar-se na implementação de ações afirmativas nas contratações para os órgãos públicos.
Os números demonstram o tamanho da desigualdade vivida no Brasil.
Segundo estudo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, de 2004, (1) a maioria dos ocupados nas seis regiões metropolitanas – Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre – é branca (58%) e a maior parte dos desocupados é negra ou parda (50,4%); (2) há mais negros e pardos entre os trabalhadores domésticos, por conta própria e sem carteira assinada; (3) brancos, ocupados ou não, têm maior escolaridade que negros ou pardos; (4) os grupamentos da construção e dos serviços domésticos ocupam mais negros ou pardos (em média, o dobro da ocupação dos brancos), enquanto os brancos têm percentuais relativamente maiores na indústria e no grupamento da saúde, educação e administração pública; (5) há um número maior de negros ou pardos subocupados e sub-remunerados; (6) o rendimento dos negros ou pardos é menor (em média, duas vezes menor que o rendimento dos ocupados brancos) e (7) mulheres desse grupo ganham menos ainda.
O fundamental é adotar iniciativas em todos os âmbitos, inclusive na esfera privada, para reverter a discriminação sofrida por negras e negros, vítimas de uma estrutura que alimenta a exclusão e as desigualdades sociais ao longo de séculos.
A igualdade é um preceito fundamental da nossa democracia. Ela vem sendo tratada por todas as Constituições brasileiras como um valor digno de previsão e proteção. O princípio da igualdade é continuamente reafirmado e perseguido desde a proclamação do Brasil enquanto Nação independente. E a Constituição Federal de 1988 veio para marcar o avanço definitivo, ao estabelecer metas e ações em prol da concretização da igualdade material, e não apenas formal.
Portanto, é tarefa do Estado brasileiro e da sociedade promoverem ações que agilizem a efetivação da igualdade real em todos os campos sociais. Tudo deve ser feito inspirado no espírito cidadão da Constituição, de promover a igualdade, valorizar o trabalho e reconhecer a dignidade do ser humano como pilares do almejado desenvolvimento econômico e social. Bem-vindo o Estatuto da Igualdade Racial.
Roberto de Figueiredo Caldas, advogado, Secretário-Geral da Comissão Nacional de Defesa da República e da Democracia da OAB Federal, Juiz ad hoc da Corte Interamericana de Direitos Humanos