O juiz Mauro Bley Pereira Junior, da 3ª
Vara Criminal de Curitiba, recebeu denúncia formulada pelo Ministério
Público (MP) do Paraná contra uma professora da Universidade Federal do
Paraná (UFPR) acusada de racismo. Conforme a denúncia, a professora
Ligia Regina Klein, do setor de educação da Universidade Federal do
Paraná, teria feito o seguinte comentário dentro de uma sala de aula,
dirigindo-se a duas estudantes negras: “Vocês, só fazendo lanchinho.
Duas macaquinhas comendo banana. Eu também gosto de banana em doces,
bolos”.
O fato, ocorrido na noite do último dia
11 de abril, envolveu as alunas Eliane Regina Graciano e Kely Cristina
Cunha, ambas do segundo ano do curso de pedagogia. Logo em seguida,
ainda de acordo com a denúncia, a professora teria se aproximado
novamente das alunas, que haviam esquecido de levar um texto que seria
analisado em sala, e dito a uma delas: “Esqueceu de trazer o texto, mas a
bananinha não esqueceu, né”.
“Analisando a denúncia e os documentos
juntados, observam-se indícios da alegada injúria na utilização de
elementos referentes à raça e cor, e da autoria delituosa da acusada,
pelo que recebo a denúncia”, diz trecho de despacho assinado no último
dia 30 de julho por Pereira Junior. O magistrado determinou a citação da
professora para que, em prazo de dez dias, ofereça uma resposta à
acusação por meio de um advogado.
Baseada em inquérito policial, a
denúncia do MP havia sido protocolada no último dia 17 de julho. A
promotora Marilú Shnaider Paraná de Sousa aponta no documento que, “em
tese”, a professora cometeu crime previsto no Artigo 140 do Código
Penal, cujo parágrafo terceiro trata de injúria racial. A pena prevista é
de reclusão de um a três anos, além de multa. Essa sanção pode ser
aumentada em um terço no caso de crime cometido na presença de várias
pessoas. A promotora sugere que, além das duas vítimas, seis testemunhas
sejam ouvidas no processo.
“Houve pressões corporativas dentro da
universidade para que as alunas não registrassem o caso na delegacia de
polícia. Não é por acaso que o intervalo entre o fato e o boletim de
ocorrência é 20 dias”, disse o advogado André Nunes da Silva, que
defende as duas estudantes. “Tentaram colocar panos quentes,
desqualificando a denúncia e dizendo que a repercussão do caso afetaria a
universidade. Em um segundo momento, iremos ingressar com uma outra
ação contra a UFPR por causa desse constrangimento.”
Em seu depoimento à polícia, a
professora Ligia disse que suas declarações foram motivadas por uma
“lembrança afetiva da infância”, quando ela era chamada de “macaquinha”
por seu irmão, pelo fato de gostar de comer bananas.
Procurada pela Agência Brasil, Ligia
disse que ainda não foi citada a respeito da decisão do juiz e que ainda
não leu a denúncia do MP. “A delegada da Polícia Civil havia dado um
parecer pelo arquivamento do caso por falta de indícios de crime. Então
houve uma posição diferente do MP”, disse a professora. “A minha
afirmação foi retirada do contexto, não tive intenção de ofender, foi
uma manifestação carinhosa.”
Ligia também argumenta que sempre atuou
em defesa dos direitos das minorias, é favorável às cotas raciais e
respeita o movimento negro. “Racismo é uma coisa abominável. Agora, há
racismo e há interpretações muito rigorosas de palavras retiradas do
contexto.”
A professora da UFPR negou ainda que
tenha havido pressão contra as alunas e ressaltou que pediu desculpas a
elas após o episódio “por uma eventual dor” que sua declaração tenha
provocado. “Fiquei muito chateada. Aguardo a Justiça se pronunciar.
Estou tranquila.”
A aluna Eliane disse à Agência Brasil
que as manifestações de racismo são naturalizadas na fala das pessoas e
que o objetivo da denúncia é fazer com que a sociedade reflita sobre
esse fato. “Tudo que as pessoas falam traz consequências, tanto que elas
às vezes acham que é só uma brincadeira, mas não é”, explicou Eliane.
“O episódio foi divulgado nas redes sociais. Depois dele alguns
professores pararam de conversar com a gente. Sorte que depois começou a
greve dos professores das universidades federais, porque talvez eu não
tivesse condições de continuar estudando.”
A respeito de uma eventual pressão para
que o caso não fosse levado à Justiça, a aluna disse que ela e sua
colega não tiveram assessoria jurídica durante a tentativa de mediação
feita por professores da universidade. “A comissão tinha muito mais
professores do que alunos, não tinha ninguém do centro acadêmico. Eles
queriam transformar tudo em um mero mal entendido.”
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